Marcos Queiroz

A degola de João Batista: quando a verdade enfrenta o poder
A história da morte de João Batista é um retrato sombrio, mas profundamente atual, da tensão entre o profeta e o poder político corrompido

A história da morte de João Batista é um retrato sombrio, mas profundamente atual, da tensão entre o profeta e o poder político corrompido. A degola do maior entre os nascidos de mulher, como o chamou Jesus (Mateus 11:11), não foi apenas uma tragédia pessoal. Foi o silenciamento brutal da verdade em nome da conveniência política, da vaidade e do orgulho.
João Batista não era um agitador, mas um anunciador. Ele clamava por arrependimento, justiça e retidão. Sua voz ecoava no deserto, mas também incomodava os palácios. Quando denunciou publicamente o relacionamento ilegítimo entre Herodes Antipas e Herodíades, João ousou fazer o que poucos fazem: falar a verdade ao poder, mesmo sabendo o risco.
Herodíades, mulher ferida no orgulho e enraizada no pecado, não queria apenas calar João — queria sua cabeça. E conseguiu. Usou sua filha, Salomé, como instrumento sedutor diante de um rei fraco, dominado pelos próprios desejos e pela pressão do prestígio. Herodes, embora temesse João e reconhecesse sua santidade, preferiu manter sua imagem perante os convidados do banquete a defender a vida de um inocente.
Quantas vezes o mundo assiste a esse mesmo teatro?
Joões ainda são calados quando denunciam a corrupção, o adultério entre o poder e a mentira, os conchavos palacianos entre reis vaidosos e conselheiros sedentos de vingança. O espírito de Herodíades ainda circula em muitos lugares onde se deseja silenciar os que falam com coragem. E o espírito de Herodes — aquele que reconhece a verdade mas não a defende — também é comum nos que lavam as mãos e preferem manter aparências a fazer justiça.
A degola de João Batista nos ensina que o profeta nem sempre vence aos olhos do mundo. Mas aos olhos de Deus, ele permanece como mártir da integridade. Sua cabeça, embora separada de seu corpo, não foi separada da verdade. O corpo do profeta cai, mas sua voz continua clamando.
O que essa história nos exige hoje é coragem: coragem para denunciar o erro, mesmo quando ele veste a coroa; coragem para resistir à sedução dos banquetes políticos; coragem para manter a integridade, mesmo quando isso custa tudo.
Num tempo em que tantos falam e poucos dizem algo verdadeiro, que nunca nos faltem os Joões — e que nunca nos falte a disposição de escutá-los.
A primeira parte de uma série de personagens bíblicos que enfrentaram o poder político e religioso. Próxima semana estaremos divulgando a segunda parte, fique de olho.
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